Na Carta a Philibert Cramer, de 13 de outubro
de 1764, Rousseau sugere que a análise atenta de seu pensamento filosófico deve
ser empreendida a partir da leitura do Emílio (Rousseau, 1929, p.339). Nesse
"romance da natureza humana", Rousseau tem como objetivo principal
demonstrar que o homem da natureza, "saindo das mãos do Autor das
coisas", difere radicalmente do homem civil, que "nasce, vive e morre
na escravidão" (Rousseau, 1969a, p.63). Como se manifesta, pergunta o
autor, a liberdade natural do homem? No âmbito físico, ela se identifica com a
necessidade natural de movimento, cujos impedimentos à sua satisfação criam
obstáculos ao desenvolvimento normal da criança e engendram efeitos físicos
nefastos. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que uma educação adequada é aquela
que respeita a liberdade física da criança (Rousseau, 1969a, p.309)
Se tal é a autêntica manifestação da
liberdade, só o homem da natureza pode ser livre, pois tem forças suficientes
para satisfazer as suas necessidades.
No indivíduo humano que alcançou o
estágio consciente e moral de seu
desenvolvimento, a experiência da
falta e do remorso seria, na visão de Rousseau, uma prova irrefutável da
liberdade da vontade. Se do ponto de vista da essência, todavia, a liberdade da
vontade é absoluta, do ponto de vista da existência, porém, ela não é exercida
plenamente e pode mesmo desaparecer. A sociedade cria, assim, necessidades
artificiais que Rousseau chama de fantaisie (Rousseau,
1969a, p.312). Querer satisfazer suas necessidades artificiais significa
submeter-se inevitavelmente à vontade dos outros. Esta lógica da dependência,
alerta Rousseau, é habilmente explorada pelos governos constituídos (Rousseau,
1964a, p.7, nota). Não se trata, aqui, da expressão de sua idiossincrasia, por
si mesma relativa, mas da concepção filosófica da liberdade individual de cujo
teor não pode desconhecer a originalidade: A liberdade escreve Rousseau na
oitava carta das Cartas escritas da Montanha consiste menos em fazer sua
vontade do que submeter-se à dos outros; consiste, ainda, em não submeter a
vontade de outrem à nossa. Ao longo do Emílio, Rousseau reitera incansavelmente
a sua recomendação segundo a qual é preciso respeitar a liberdade da criança e
criar à sua volta um clima propício para a sua reprodução. O bem-estar da
liberdade compensa muitos machucados.
Esta educação pela liberdade é, ao
mesmo tempo, uma educação para a liberdade. Como surge esta diferença de
realidade que sugere duas
espécies de dependência? Uma passagem
bem conhecida do Livro II do Emílio parece explicá-la: Existem dois tipos de
dependência: a das coisas, que é da natureza, e a dos homens, que é da
sociedade (Rousseau, 1969a, p.311) .
Esta concepção permite compreender um
dos traços particulares da educação do Emílio, é preciso oferecer um
aprendizado sobre a necessidade e evitar as influências da opinião dos outros.
Ensinado numa tal atmosfera, o aluno
tornar-se-á "paciente, calmo, resignado, tranquilo, mesmo quando não tiver
obtido o que queria, pois faz parte da natureza do homem suportar pacientemente
a necessidade das coisas, mas não a má vontade do outro" (Rousseau, 1969a,
p.320).
Diante desta filosofia da educação que
prega o espírito da liberdade e afirma:
Pois,
escreve no Contrato Social, "renunciar à liberdade é renunciar à qualidade
de homem, aos direitos da humanidade" (Rousseau, 1964b, p.356). Eis, na
opinião de Jean Starobinski, a mensagem de Rousseau aos homens do século XVIII
(Starobinski, 1946-9, p.285). Não é admirável, porém, ver Rousseau fazer a
crítica das teorias das origens do político invocando o princípio da liberdade
(Bachofen, 2002, pp.228-240).